O Santuário de Santa Maria de Vagos tem uma arquitetura simples e provém do século XVI. É sucedâneo de uma primitiva ermida de Santa Maria de Vagos, que a documentação histórica garante remontar ao século XII e que se encontrava em local não muito distante do atual santuário, junto das paredes da Torre, vestígios de construção militar que podem ser coevos do edifício religioso inicial.
O aspeto geral da arquitetura do santuário atual manifesta as remodelações efetuadas quer no último quartel do século XIX, quer na segunda metade do século XX. No interior, as paredes do corpo apresentam cruzes de sagração, que se pensa remontarem ao século XVI. O culto a Santa Maria de Vagos tem as suas raízes no início da fundação do Reino.
Como
poucos monumentos marianos coevos dos primórdios da nossa nacionalidade, a sua
história apoia-se em documentos que nos contam que um navio francês naufragou
junto à costa, sobrevivendo o capitão e uma imagem da Virgem que o povo, na sua
maioria pescadores, adotou para sua devoção.
A localização da primitiva ermida é desconhecida, tendo-se perpetuado a crença de que teria sido no sítio onde restaram as ruínas de uma torre datada do século XII (local conhecido como Paredes da Torre ou Paredes da Senhora). Da demolição desta torre restam vestígios arqueológicos dos séculos XII a XVI, expostos no santuário, e dos quais se destacam os fragmentos de azulejo sevilhano do século XVI. A atual ermida edificada no século XVI, tem sido alvo de sucessivas remodelações, a última datada do século XIX, composto pelo templo, casa dos romeiros, casa das confissões, velário e fonte, rodeado por ampla zona arborizada, tendo sido a torre sineira construída em 1960.
O templo é de planta retangular composta por nave, antecedida por pequeno nártex, capela-mor e sacristia adossada ao lado direito, com coberturas interiores diferenciadas em falsas abóbadas de berço e iluminada uniformemente na capela-mor por janelas retilíneas rasgadas nas fachadas laterais. A fachada principal é rematada em empena com nártex aberto por vãos curvos frontal e laterais, possuindo portal axial de verga reta, ladeado por postigos, o que subsiste da reconstrução setecentista, surgindo, junto a estes, as armas de um antigo ermitão, Estêvão Coelho. A torre sineira será seiscentista, ampliada no século XX, com a colocação de um painel de azulejo financiado por um benemérito. Interior com coro-alto e púlpito no lado da Epístola, com acesso pelo corpo anexo. Na capela-mor retábulo de talha policromada que mantém as colunas do primitivo, executado na segunda metade de setecentos, mas ampliado na segunda metade do século XIX e restaurado no final do século XX. Expõe no camarim a imagem da Virgem com o menino, do século XIV, em calcário policromado. Na nave as mísulas que ladeiam o arco cruzeiro têm ao culto as imagens de Santa Inês (à esquerda, e em madeira) e de Nossa Senhora de Fátima (em terracota) sendo as paredes revestidas a azulejo da fábrica Amarona de Ílhavo, aplicado em 1988.
Os documentos escritos desde 1190 a 1505 registam, invariavelmente, a veneração a Santa Maria de Vagos. Em 1537, surge pela primeira vez com o título de Nossa Senhora de Vagos, e como relata Frei Agostinho de Santa Maria no seu livro Santuário Mariano em 1712, da invocação de Nossa Senhora da Conceição de Vagos. Pelo costume de peregrinação das povoações de Cantanhede, particularmente devotos da Virgem de Vagos, é conhecida também pelo título de Nossa Senhora do Bodo, por se distribuir a cada pobre que participasse na festa, carne de vaca cozida, pão e vinho.
A romaria a Nossa Senhora
de Vagos celebra-se na segunda-feira a seguir ao domingo de Espírito Santo.
Cronologia:
1185 - Fundação
do santuário por D. Sancho I; construção de uma pequena torre, alegadamente
para defesa de ataques de corso e assistência dos romeiros. Segundo a lenda a
imagem da Virgem foi resgatada a um navio francês que naufragou junto à costa.
1190-04-00 - Integrada
num tombo de títulos e doações ao Couto de São Romão, surge uma carta de doação
em que D. Fernando Joanes e a mulher, D. Maria Mendes, legam à ermida de Santa
Maria de Vagos a vila de São Romão com a sua igreja e com todo o seu couto,
montes, fontes e prados, em troca de missas por sufrágio. Neste documento são
referidas quatro vezes a expressão Santa Maria e duas vezes Santa Maria de
Vagos, referência à imagem da Virgem.
1200-08-18 - D. Sancho I doa
o templo ao Mosteiro de São Salvador de Grijó, juntamente com as marinhas, os
quais ficam com a obrigação de nomear presbítero com o título "Administrador
Perpétuo da Comenda de Santa Maria de Vagos". Mandada
construir junto ao mar pelo rei D. Sancho I, a ela se refere como “mea
heremita de Vaagos que Vocatur Sancta Maria”: “Saibam todos os homens que
ouvirem ler esta carta de doação que eu Sancho, rei de Portugal por graça de
Deus, juntamente com meus filhos e filhas, faço esta doação … ao Mosteiro de
São Salvador de Grijó, a D. Soeiro, prior deste mosteiro e aos frades que aí
servem a Deus, tanto atuais como futuros, de uma minha ermida de Vagos da
invocação de Santa Maria”
1221 - D.
Afonso II deixa 100 morabitinos em testamento para sufrágios na Ermida de Santa
Maria;
1240-01-26 - Demanda
entre o bispo de Coimbra, D. Tibúrcio, e o prior de Grijó sobre a titularidade
do templo, ficando decidido que a propriedade é do mosteiro, podendo o bispo
visitá-lo e receber o dízimo das salinas;
1248 - D.
Sancho II doa, por testamento, 200 morabitinos ao templo;
Século XIV - Provável
execução de uma nova imagem da Virgem;
1321-02-13 - Pela
Bula do papa João XXII de 1281, que concedeu ao rei Dom Dinis por tempo de três
anos um subsídio da décima de todas as rendas eclesiásticas para a guerra
contra os mouros, a Ermitânia de Santa Maria de Vagos foi taxada pela Diocese
de Coimbra em 50 libras.
1365 - A
ermida paga anualmente ao Mosteiro de Grijó 100 cestos de alhos e 15 libras ao
prior, parte da colheita, e à sacristia de Grijó, 20 libras de cera.
1505-02-22 - D.
Manuel I autoriza Gonçalo Gil, prior de Santa Maria de Vagos, a doar ao templo
umas marinhas;
1515 - Morre
Estêvão Coelho, cavaleiro da Ordem de Cristo e enterrado na capela original, e
cuja lápide foi trasladada para o novo templo;
1537-01-18 - Referência
à Ermida com o título de Nossa Senhora da Conceição de Vagos; D. João III
autoriza os juízes de Cantanhede a fazer um bodo, como se fazia no início da
fundação;
Século XVI, meados - Devido
ao avanço das areias, é construída uma nova capela em território mais próxima
da vila;
1574 - A
igreja pertence ao padroado real e integra a Diocese de Coimbra;
Séc. XVIII, início - Reconstrução
do templo atual, utilizando grande parte dos materiais e elementos decorativos
primitivos;
1712 - Segundo
Frei Agostinho de Santa Maria, a imagem está num altar de talha à moderna,
sendo de pedra, com 5,5 palmos de altura e tendo o Menino nos braços; a capela
é ampla, composta por nave com 50x24 palmos e cabeceira com 18x15 palmos; o
templo é visitado pelo Bispo de Coimbra anualmente; à festa ocorrem as
freguesias de Soza, Mamarrosa, Covão do Lobo, Mira, Covais, Oliveira do Bairro,
Troviscal, São Lourenço do Bairro, Vilarinho do Bairro, Oiã, Sangalhos, Avelãs
de Cima e Arcos;
1713 - Data
na sepultura de Gabriel Rodrigues da Graça;
Séc. XVIII, meados - Os
habitantes de Cantanhede fazem uma romagem anual na 2.ª feira de Pentecostes,
agradecendo o auxílio numa época de forte seca; as câmaras oferecem um bodo aos
peregrinos pobres, pago pelos Condes de Cantanhede, que consta de meio quilo de
carne de vaca cozida, pão e meio quartilho de vinho; este costume está na
origem da denominação da Capela como de Nossa Senhora do Bodo; construção da
Casa dos Romeiros;
1733-01-30 - Falecimento
do ermitão José Rodrigues da Graça, sepultado no local;
Séc. XVIII, 2.ª metade - Feitura
do retábulo-mor;
1757 - Data
na sepultura de João Rodrigues da Graça;
1758-05-06 - Nas
Memórias Paroquiais, assinadas pelo pároco Frei José de Santa Clara, é referida
a Ermida como sendo dedicada a Nossa Senhora da Conceição, pertencente aos
cónegos de Grijó, possuindo rendas próprias; na primeira oitava do Espírito
Santo vem a população de Cantanhede à capela, com a obrigação de dar a todos os
pobres um arrátel de carne de vaca cozida, um pão e meio quartilho de vinho; a
despesa é paga pelos mordomos designados para a festa ou pelo concelho;
1758-05-29 -
Nas Memórias Paroquiais, assinadas pelo pároco de Cantanhede, Manuel de Jesus
Maldonado, é referido um privilégio antigo de que na primeira oitava do
Divino Espírito Santo de cada ano vai a Câmara desta vila e dos lugares de toda
a freguesia e da Pocariça, com cruz levantada, e o pároco desta vila a Nossa
Senhora de Vagos; e entram pela vila de Mira por onde vão para Vagos e pelas
ditas vilas com a Justiça e Câmara desta vila; e o pároco com estola com
jurisdição para prenderem havendo causa, nas ditas vilas dizendo nelas missa da
terça ao povo e lendo papéis sem que os impeçam, o que tudo se diz privilégio
concedido pelos senhores reis antigos a esta vila, e nesta posse se conserva
até ao presente; e aos que faltam à dita procissão, condena a Câmara; e vão
quatro bodos da vila e um outro da Pocariça mais que são cinco e os outros dos
lugares das freguesias e, para os dar, elegem as pessoas em Câmara desta vila,
o que dizem em agradecimento daquele benefício que a Senhora de Vagos fez a
este povo de Cantanhede de alcançar água no tempo em que não chovera sete anos;
1770-09-29 - O
Mosteiro de Grijó tem a obrigação de rezar 156 missas pela capela instituída
por Gonçalo da Costa, para o que deixou os casais de Belazaima a Velha e
Belazaima a Nova, e uma quinta em Macinhata do Vouga; tem a obrigação de rezar
13 missas por Estêvão Coelho, que deixou uma herdade em Crastovães e um casal
na Borralha;
Século XIX - Reconstrução
do templo num terreiro arborizado perto de Vagos; colocação das ossadas de
Estêvão Coelho na capela-mor;
1834 - Com
a extinção das Ordens Religiosas, o templo deixa de depender do Mosteiro de
Grijó;
Século XIX, meados - Feitura
do retábulo-mor, em madeira de pinho da flandres.
1879-10-30 - Inventário
das peças existentes na capela, todas desaparecidas, como uma banqueta de
talha, um cristo crucificado do sacrário, um arcaz de madeira de castanho, joias,
coroas de prata, cálices e paramentos.
Século XX, década de 30 – A
Virgem começa a ser conhecida como Senhora das Cerejas.
1941 - Execução
da imagem de Santa Inês pelo escultor Raposo de França, do Porto.
1942 - Execução
da imagem de Nossa Senhora de Fátima pelo escultor Artur Andrade do Porto,
legada por ele;
1949 - Menção
à existência de dois ex-votos, um de milagre de marinheiro e outro de uma
menina de Cantanhede, este datado de 1757, desaparecidos em 1960.
1959 - Descrição
da capela no Inventário Artístico de Nogueira Gonçalves, como sendo dedicada a
Nossa Senhora da Conceição.
1960 - Colocação
de azulejo na torre, feito na Fábrica Aleluia, custeado por João Duarte da
Costa Ferro; a imagem da Virgem fratura a cabeça, tendo sido restaurada numa
oficina do Porto.
1973 - Colocação
de três lustres provenientes da igreja paroquial de Vagos, demolida nesse ano.
1975-06-06 - Várias
pessoas assistem ao milagre do "choro" da imagem da Virgem.
Século XX, último quartel - O
património do Santuário aumenta de 8000 para 66000 m2.
1980 - Construção
da Sala das Confissões para receber os peregrinos e ministrar a eucaristia;
restauro do templo.
1980-05-04 - Inauguração
da renovação do templo pelo bispo de Aveiro, D. Manuel de Almeida Trindade.
1982 – Exploração
das paredes da primitiva torre, recolhendo-se o espólio arqueológico em
sala-museu anexo.
1988 - Revestimento
das paredes com azulejos produzidos em Ílhavo.
1996 - Colocação
de azulejo no fundo da sala das confissões e um ex-voto do pintor António
Rocha; feitura da guarda do púlpito, com grade torneada a madeira exótica,
douramento do retábulo-mor e do sacrário, proveniente de capela privada do
norte do país, restauro na Casa João Costa, de Braga.
1998 - Feitura
do fontanário e do Velário, obra desenhada pelo arquiteto Pedro Castro.
2000-02-24 - Escritura
de doação de uma área rústica na crasta das Paredes com 28000 m2.
___________________
IPA.00008674 -
Rua de Cantanhede; Estrada da Senhora
Portugal, Aveiro, Vagos, União das freguesias de Vagos e Santo
António
Hugo Calão, novembro de 2022
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